Eu já discorri diversas vezes sobre uma falácia comum de tomar o efeito pelas causas. Ela é muito utilizada nas mais diversas argumentações contra e a favor dos mais diversos tópicos.
Este post é para ajudar o claro leitor a identificar quando isto esta sendo usado.
Uma forma matemática de definir este problema é através de
probabilidade, e mais especificamente através da
probabilidade condicional. Vamos ver como usar esta ferramenta.
Primeiro, a probabilidade de um evento A ocorrer é designada como
p(A). Vamos a um exemplo primeiro: qual é a chance de um bebê nascer menina? Há duas possibilidades: menino (
h) e menina (
m). Para saber qual é chance de o bebê nascer menino
p(h) temos de dividir o número de bebês meninos
Nh pelo universo total de bebês (meninos
Nh e meninas
Nm). Em termos matemáticos:
p(h) = Nh/(Nh+Nm)
Naturalmente, isto quer dizer que a chance do bebê nascer menina
p(m) será:
p(m) = Nm/(Nh+Nm)
O leitor pode notar que a soma das probabilidades é necessariamente:
p(h)+p(m) = Nh/(Nh+Nm) + Nm/(Nh+Nm) =(Nh+Nm)/(Nh+Nm) = 1
Isto, matematicamente, quer dizer que estamos cobrindo todos os eventos possíveis. Daqui podemos obter várias identidades da teoria de probabilidades, mas isto é outra história. Já a probabilidade condicional implica em um relacionamento entre a chance de um evento A ocorrer dada a ocorrência de um evento B (indicado por
p(A|B)). Vamos então a
um exemplo: Em uma classe 25% dos alunos passaram nos dois testes aplicados. No segundo teste 75% passaram. Qual a porcentagem de alunos que passaram no primeiro teste também passaram no segundo teste? Vamos dar nome aos bois primeiro:
P(Passaram Teste 1 e Passaram Teste 2) = 0.25
P(Passaram Teste 2) = 0.75
P(Passaram Teste 2 dado que Passaram Teste 1) é o que queremos saber.
O que queremos saber é
P(Passaram Teste 2 dado que passaram Teste 1)? Este problema pode ser resolvido pela
fórmula de Bayes:
P(Passaram Teste 1 e Passaram Teste 2) = P(Passaram Teste 2)*P(Passaram Teste 2 dado que Passaram Teste 1).
Logo:
0.25=0.75*P(Passaram Teste 2 dado que Passaram Teste 1), ou seja, P(Passaram Teste 2 dado que Passaram Teste 1) = 1/3 =(0.3333...).
Matematicamente, podemos dizer o seguinte: estamos relacionando o número dos que passaram no Teste 1, com o número dos que passaram no teste 2, com o número total de alunos, e com o número de alunos que passaram nos testes 1 e 2.
Muito bem, e o que isso tem a ver com a falácia de tomar as causas pelo efeito? Bem, esta falácia é essencialmente confundir
p(A|B) com
p(B|A). Apesar de parecerem iguais, os dois podem ser bastante diferentes. Um exemplo clássico:
p(bandido | pobre) com
p(pobre | bandido). Quão diferentes os dois podem ser?
Bem,
p(bandido | pobre) é a razão do número de pessoas que são bandidas em uma população de pobres. Matematicamente é isso: a população de pobres (
Np) é composta por dois tipos de pessoas, as que são bandidas (
Npb) e as que não são bandidas (
Npnb). Como a população é composta destes dois elementos então:
Np=Npb+Npnb. O que estamos calculando
p(bandido | pobre) é:
p(bandido | pobre) = Npb/Np = Npb/(Npb+Npnb)
Já
p(pobre | bandido) é a razão do número de pessoas pobres em uma população de bandidos. Matematicamente é isso: a população de bandidos (
Nb) é composta por dos tipos de pessoas, as que são pobres (
Nbp) e as que não são pobres (
Nbnp). Como a população é composta destes dois elementos então:
Nb=Nbp+Nbnp. O que estamos calculando
p(pobre | bandido) é:
p(pobre | bandido) = Nbp/Nb = Nbp/(Nbp+Nbnp)*
Note que apesar do numerador ser o mesmo se o conjunto for toda a população (
Npb=Nbp), o denominador não necessariamente é o mesmo, e isto faz com que as probabilidade não sejam necessariamente iguais. Elas podem até ser iguais, mas este é o caso particular, e não o geral.
E é aí que a falácia ocorre. Ao julgarmos
p(filha da p. | característica X), consideramos isto igual a
p(característica X | filha da p.). Não é...
Mas, um aviso é importante: apesar de soar como, isto não é necessariamente preconceito. Nosso funcionamento é assim, usamos este tipo de racionalidade é o que fazemos ao identificarmos padrões. O mais importante é entendermos que fazemos isto naturalmente, mesmo que isso seja falacioso.
* Agradeço ao leitor que corrigiu meu erro! Muito obrigado!